
Darren Aronofsky (Réquiem Para um Sonho, Cisne Negro) volta com mais um filme para que possamos discutir assuntos que, de uma forma ou de outra, estão presentes e regem nossas escolhas. Com Noé, o diretor decidiu ir nos tempos bíblicos para remontar os primórdios do bem e do mal.
Com a explicação introdutória sobre a after party que aconteceu depois de Adão e Eva provarem do fruto proibido e terem os filhos Caim, Abel e Set, está montado o cenário para discussões sobre fé, salvação e reconhecimento da fraqueza humana.
Como vocês já perceberam, o argumento do longa é muito bom e, felizmente, o roteiro consegue mantê-lo interessante. Isso, porém, não impede de algumas características risíveis saltarem aos olhos, como os guardiões de pedra e sua incômoda movimentação. É o maior exemplo de que mirar no lúdico e acertar em cheio no desconforto visual não é difícil. Algumas coisas semelhantes se repetem ao longo da projeção, como a montagem que ora é poética e visualmente atraente (a explicação da criação do mundo) e ora "National Geographic" demais para dialogarem entre si.
Também há alguns furinhos que não passam despercebidos: se explicam como os animais não matavam uns aos outros, por que não explicam como houve tanta comida para todos na arca por nove meses? Como Ham (Logan Lerman) esconde Tubal-cain (Ray Winstone) por tanto tempo sem ninguém desconfiar? Esses deslizes, felizmente, não tiram todo o mérito do filme, que está no trabalho de composição fotográfica e sonora.
As sequências panorâmicas e planos gerais servem para mostrar a grandiosidade da história e é aí que a trilha sonora se faz presente e indispensável, como quando há a chegada de um grupo de animais. Em paralelo, a sonosplastia se sobressai quando somos levados aos momentos presenciados somente por Noé (Russell Crowe), seja em sua mente ou não.
Mas o que mais te convence é a escolha de Aronofsky por dar destaque a planos-detalhes e closes, o que intensifica e coloca ainda mais em evidência as nuances de seus personagens. A construção deles e seus debates morais se tornam muito mais pesados e críveis. Impossível não dar destaque à atuação superior de Jennifer Connelly quando Naameh diz para o marido como ela enxerga a justiça divina.
É nessa dualidade entre conhecer o livre arbítrio e ter que seguir ordens, entre o chamado divino e o silêncio na dúvida, que Noé (tanto filme quanto personagem) se constrói. Não é sobre a jornada do herói, ainda mais porque o protagonista, por sua fé cega, chega em um ponto em que parece não saber dosar certo e errado. É como se amor e fé se tornassem dois pesos e duas medidas quando paramos de nos ver como homens bons ou maus e nos enxergamos apenas como homens.

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